5 de nov. de 2013

Cidades de Papel - John Green

postado por Caleb Henrique


Editora Intrínseca, 2013, 368 páginas. (Skoob) 
.
Quentin Jacobsen tem uma paixão platônica pela magnífica vizinha e colega de escola Margo Roth Spiegelman. Até que em um cinco de maio que poderia ter sido outro dia qualquer, ela invade sua vida pela janela de seu quarto, com a cara pintada e vestida de ninja, convocando-o a fazer parte de um engenhoso plano de vingança. E ele, é claro, aceita. Assim que a noite de aventuras acaba e um novo dia se inicia, Q vai para a escola e então descobre que o paradeiro da sempre enigmática Margo é agora um mistério. No entanto, ele logo encontra pistas e começa a segui-las. Impelido em direção a um caminho tortuoso, quanto mais Q se aproxima de Margo, mais se distancia da imagem da garota que ele achava que conhecia.

Avaliação: 5/5

John Green de volta as livrarias brasileiras, desta vez com Cidades de Papel, terceiro livro do autor em ordem cronológica (2008) e quinto em solos brasileiros, que conta a inusitada estória de Quentin Jacobsen - vulgo Q, o típico garoto certinho: não mente para os pais, chega mais cedo no colégio para trocar ideias com os amigos e é dono de uma porção de particularidades que você virá a perceber e conhecer conforme avançar na leitura — mas sim, ele é nerd. Eu, particularmente, confesso que o enxerguei como meu próprio reflexo em algumas situações, o que torna inquestionável o porquê d’ele ter vindo a se tornar um de meus personagens prediletos.

“Na minha opinião, todo mundo tem seu milagre. Por exemplo, muito provavelmente eu nunca vou ser atingido por um raio, nem ganhar um prêmio Nobel, nem ter câncer terminal de ouvido. Mas, se você levar em conta todos os eventos improváveis, é possível que pelo menos um deles vá acontecer a cada um de nós. Eu poderia ter presenciado uma chuva de sapos. Poderia ter me casado com a rainha da Inglaterra ou sobrevivido meses à deriva no mar. Mas meu milagre foi o seguinte: de todas as casas, em todos os condados da Flórida, eu era vizinho de Margo Roth Spiegelman.”

É com essa confissão inicial que o Q nos permite entrar e descobrir seu mundo, sua verdade e sua paixão platônica, nascida na infância e perdurada durante a adolescência, por sua vizinha e colega de classe Margo Roth Spiegelman, uma jovem magnificamente misteriosa, instigante e popular que, há anos, afastou-se dele. Até que num cinco de maio que poderia ter sido um dia tão monótono quanto qualquer outro, ela invade sua vida uma vez mais pela janela de seu quarto, com o rosto pintado e vestes de ninja, lhe convocando a ser parte de uma noite de aventuras e um incrivelmente bem planejado plano de vingança. E agora eu pergunto: Quem, por Deus, seria capaz de recusar um pedido direto de Margo Roth Spiegelman? Eu certamente não. O Q muito menos. E eis que no dia seguinte, após a noite mais eletrizante de toda sua vida de nerd, Q descobre que o paradeiro da garota mais incrível que já conheceu é agora um mistério tão grande quanto ela própria e, após encontrar uma pequena quantidade de pistas — propositalmente deixadas por ela, resolve entrar de cabeça nessa busca desenfreada que o levará — e a nós, consequentemente — mais longe e mais fundo do que ele pode imaginar.

Sei que o fato de ser um nerdfighter assumido me transforma em um potencial suspeito, mas insisto: como alguém, em sã consciência, pode não querer ler um livro depois de um plot inicial desses? (pausa dramática). O fato é que apesar de já ter dito e repetido que a escrita, personagens e naturalidade com a qual o John Green transforma vidas em palavras — ou seria o contrário? — me são fascinantes e arrebatadoras, eu ainda não me sinto capaz de descrever exatamente o modo como ele consegue tornar intrínseco e quase palpável cada emoção, revolta e qualquer que seja o sentimento que ele queira transmitir em suas palavras. E talvez seja isso que o torna tão inigualável para mim. A imprevisibilidade, o mistério e a sede por mais com que ele me deixa.

Os livros do John são quase sempre dotados de uma linguagem mais informal e juvenil, condizente com a idade dos personagens, mas há sempre um quê a mais capaz de prender leitores de qualquer idade e gênero. Este, felizmente, não foge a regra. Acho válido frisar também que gostei muito de todo o cuidado com a edição brasileira do livro que a Intrínseca teve que, salvo um ou dois pequenos erros de revisão bobos, ficou praticamente impecável. Bons espaçamentos e tamanhos de fontes. Tradução coerente e condizente com a original — meus parabéns à Juliana Romeiro por isso — e, felizmente, mantiveram o projeto gráfico original — que eu acho lindo.

Falando um pouco mais sobre personagens, pois nem só de Q e Margo vive um livro, eu me sentiria um monstro se não citasse o Ben e o Radar, os dois melhores amigos de nosso meio coadjuvante/meio protagonista Quentin Jacobsen; e também a Lace, amiga da Margo. Há, é claro, uma pequena porção de outros personagens a serem conhecidos, mas foram estes os que mais se destacaram durante minha leitura; cada um com sua própria particularidade, estilo ou traumas — lê-se: coleção mundial de Papais Noéis negros — e autenticidade.

Este livro foi escrito com base num mistério, o que me foi ainda mais instigante por se tratar de uma linha de escrita que me agrada; ao mesmo tempo que totalmente inovador, justamente por abordar e trabalhar a busca pela resolução do mistério de uma forma completamente nova. Sério, há tanto a ser aprendido e absorvido para nossas próprias vidas — o que certamente dependerá muito do que você está precisando no momento — que me é difícil encontrar palavras para descrever a quantidade de mudanças que o mesmo me permitiu. Vou além e afirmo que a probabilidade de você ser o mesmo ao acabar esta leitura é mínima, quase nula.

Acho que um dos melhores lados de ler um livro escrito há certo tempo, depois de ter lido os mais recentes, é poder constatar que, apesar de ter evoluído, o estilo de escrita do autor permanece lá. É como ver uma foto antiga e comentar: ‘Nossa, você não mudou quase nada!’ — ou o contrário, em alguns casos. A leitura de Cidades de Papel foi assim para mim, como ver um retrato antigo, mas totalmente novo e espero que a sua seja igual ou tão boa quanto. 

Confesso, por fim, que me foi uma tortura precisar escolher apenas um quote dentre os inúmeros que guardei como favoritos, mas escolhi este pensando em vocês — mas também por estas serem palavras de Margo Roth Spiegelman que merecem ser compartilhadas:

Eis o que não é bonito em tudo isso: daqui não se vê a poeira ou a tinta rachando ou sei lá o quê, mas dá para ver o que este lugar é de verdade. Dá para ver o quanto é falso. Não é nem consistente o suficiente para ser feito de plástico. É uma cidade de papel. Quer dizer, olhe só para ela, Q: olhe para todas aquelas ruas sem saída, aquelas ruas que dão volta em si mesmas, todas aquelas cosas construídas para virem abaixo. Todas aquelas pessoas de papel vivendo suas vidas em casas de papel,queimando o futuro para se manterem aquecidas Todas as crianças de papel bebendo cerveja que algum vagabundo comprou para elas na loja de papel da esquina. Todos idiotizados com a obsessão por possuir coisas. Todas as coisas finas e frágeis como papel. E todas as pessoas também. Vivi aqui durante dezoito anos e nunca encontrei ninguém que se importasse realmente com qualquer coisa. (pág. 68)

Se me pedissem para definir Cidades de Papel em uma única palavra, ela seria busca. Mas, se me dissessem que eu poderia defini-lo em três (oras!) eu sequer titubearia ao dizer: Margo Roth Spiegelman. Escolheria busca não apenas, mas também por ser o plot principal do livro e porque é a verdade que o mesmo me passou. A verdade que eu encontrei sem saber que estava buscando — parte dela, ao menos. Quantos de mim existem por aí? Digo, quem sou eu para os meus amigos? Familiares? Conhecidos? Desconhecidos? Para quem mora perto, ou longe? Quem sou eu para mim mesmo? Um Caleb diferente para cada pessoa. Alguns semelhantes, quase idênticos, mas diferentes por uma ou duas características percebidas pelo outro. Dezenas ou centenas deles e, ao mesmo tempo, apenas um. Essas mesmas dúvidas e certeza se aplicam a cada ser vivente neste mundo. E, por fim, pergunto: Quem serão Q e Margo para você? Quem será o John Green? Vá em frente, leia e, se algum dia puder voltar aqui e me contar, serei imensamente grato. 

Assim me despeço, com a promessa de voltar.
E como há braços, abraços.