25 de dez. de 2012

Diário de Bordo #10

postado por Caleb Henrique

Puxa vida! O ano passou voando, JÁ É NATAL! Mais uma semana e tudo começa outra vez. Enfim, o Diário de Bordo dessa semana seria um texto curto e pessoal, mas como o post cairia justamente no dia de natal, resolvi caprichar um pouco. Não acho que já tenha contado aqui, mas após ler A Pequena Vendedora de Fósforos (que por sinal possui um lindo curta-metragem), quando criança, fui tomado por uma tristeza imensa que passou a me acompanhar em todos os natais consecutivos. Então meu conto de hoje é justamente inspirado nisso. Estão preparados?

dear santa


Coloquei o livro cuidadosamente sob a mesinha de cabeceira com um aperto no coração e beirando às lágrimas carinhosamente corri a mão pela capa, como se assim pudesse fazer um afago na garotinha da história. Na capa podia-se ler “Contos de Andersen” em uma bela tipografia dourada. Havia acabado de ler A Pequena Vendedora de Fósforos e, por pura coincidência, faltava pouco mais de uma semana para o natal. Pensei nas crianças de uma comunidade próxima e em como seriam seus natais. Será que alguma delas passaria pelo mesmo que a garotinha? Em meio a essas dúvidas fui tomado por uma súbita vontade de fazer algo. Então abri a gaveta, peguei o pouco dinheiro que tinha guardado e saí guiado por meu coração. Não sabia onde estava indo, mas não parava de caminhar. Estava prestes a atravessar a rua quando ouvi uma buzina ensurdecedora e percebi que havia me esquecido de conferir se o sinal estava aberto. Estava. Enquanto esperava, corri com os olhos os conhecidos prédios comerciais e, talvez pela primeira vez na vida, prestei atenção em um cartaz colado na parede do velho prédio dos Correios, onde se lia: Seja um Papai Noel, adote uma cartinha! O semáforo enrubesceu. Atravessei a rua, caminhei até lá e pensei Por que não?

Entrei no prédio, me informei com uma atendente sobre o projeto e expressei meu desejo de fazer algo por uma daquelas crianças. Fui automaticamente retribuído por um sorriso sincero dela que me pediu para aguardar um momento enquanto ia buscar uma cartinha. Não demorou muito e ela estava de volta com a cartinha em mãos. — Uma garotinha trouxe essa cartinha há pouco mais de uma hora. Eu mesma ia adotá-la, mas algo me pediu para entregá-la a você. — disse com um meio sorriso, como se ainda estivesse pensando se fez ou não o certo ao me dar a carta da garotinha. Pensei em devolver, dizer que não tinha problema e eu aceitaria qualquer outra, mas não consegui conter a curiosidade de saber o que aquelas letrinhas pequenas, tremidas e em alguns pontos enladeiradas pediam. A carta dizia:

Querido papai Noel,

A mamãe diz que você não existe. Que não passa de uma história que os pais de crianças ricas inventaram para dar presentes escondidos no Natal. Mas eu não acredito. Por favor, não leve a sério o que ela diz. Ela trabalha muito e está sempre se esforçando. Quando eu choro ela diz que a vida é difícil e que só está tentando me proteger, por isso ela não me deixa ajudar no trabalho e me manda para a escola. Diz que não quer que eu tenha uma vida igual a dela. Que quer que eu seja alguém. Mas eu sempre digo que ela é alguém. Ela é tudo o que eu tenho e é triste vê-la chorando escondida quando não consigo dormir. Todo ano ela me diz que vai tentar preparar uma ceia de natal para nós duas, parecida com aquelas das novelas, sabe? Com peru e tudo mais, porque diz que sempre sonhou com uma ceia daquelas na infância, mas agradecia por ter qualquer coisa para comer com os irmãos. Então, Papai Noel, escrevo essa carta por ela. Porque meu melhor presente seria ver um sorriso no rosto da minha mamãe. O senhor viu que fui uma garota obediente e tirei notas boas, não viu?

Beijos da Suzana.

O aperto em meu coração crescia e eu quis dar o melhor natal que aquela criancinha pudesse ter. Olhei para a atendente, que usava um gorrinho e me olhava apreensiva e disse — Será uma honra adotar a carta dessa pequena e singular criança — ela sorriu novamente. Saí com a carta em mãos dizendo que logo voltaria com o presente. Fui ao supermercado mais próximo e comprei o máximo de gostosuras que pude e, claro, o Peru e pedi que empacotassem em uma cesta. Antes de voltar até a agência dos correios passei em uma loja de brinquedos e comprei a boneca mais bonita e um exemplar dos Contos de Andersen, onde pus um bilhete desejando que aqueles contos pudessem tocar seu coraçãozinho da mesma forma que sempre tocaram o meu. Também comprei alguns carrinhos, bolas e mais algumas bonecas para presentear às crianças da comunidade próxima. Ao entrar novamente pela porta dos correios fui outra vez recebido pelo sorriso aberto daquela atendente. Entreguei a cesta e o pacote com a boneca e o livro, dizendo que ela também merecia um natal feliz. Expliquei que comprei alguns presentes para as crianças do bairro próximo ao que ela sorriu encantada e me elogiou pela iniciativa. Ficamos papeando por alguns minutos e descobri que ela era voluntária todos os natais, porque não havia recompensa maior do que ver as crianças sorrindo ao receber seus presentes e que sonhava com o ano em que conseguiriam atender a todas as cartinhas. A atitude dela me encantou e eu perguntei se também poderia a ajudar nas entregas. Abriu um sorriso de orelha a orelha dizendo que seria ótimo e senti meu coração aquecer. Chamou o supervisor e explicou minha vontade. Anotaram meu nome, celular e disseram que me ligariam em breve. Despedi-me e caminhei até minha casa com uma felicidade ímpar.

Alguns dias se passaram sem que eu fosse contatado por ninguém. Talvez não fossem precisar da minha ajuda, afinal. Eu mesmo entregaria os presentes às crianças próximas, se fosse o caso.

Faltavam três dias para o natal quando um número desconhecido ligou, atendi e fui surpreendido pela voz da atendente que me entregou a carta. Estava animada e tagarelamos um pouco sobre como seria legal., por fim, ficou marcado de virem me buscar às 17h da véspera de natal e que me traria uma fantasia de duende que, me contou entre risadas, ela também já precisou usar.

No dia e hora marcada, bateram em minha porta. Deparei-me com a Mamãe Noel mais instigante que já vi em toda minha vida, porém, com os lábios franzidos ao invés do habitual sorriso escancarado; Perguntou se podia entrar ao que eu rapidamente assenti. Pedi que sentasse para me explicar o que havia acontecido. — Nosso papai Noel sofreu um acidente e não há ninguém para substituí-lo. — me respondeu tristemente — Seria muito abuso pedir para você assumir o lugar dele? — O pedido me pegou de surpresa, tendo em vista que eu sempre fui muito tímido, mas eu sabia que não podia deixá-la na mão agora e com um menear perplexo de cabeça assenti. Os olhos dela brilharam e antes que pudesse perceber estava sendo abraçado ao som de muitos “Obrigada”. Assim, depois de muito enchimento improvisado, a roupa serviu. Fiz alguns movimentos para testar, afinal, seria uma completa desilusão para as crianças ver o Papai Noel desmontando-se como uma farsa completa e improvisei alguns HO-HO-HO’s que ela calorosamente aplaudiu. Pintou-me, colocou o bigode e a barba nos seus devidos lugares e, mesmo com todo nervosismo, estávamos prontos.

Passamos primeiro na comunidade próxima, onde fomos recebidos por sorrisos de alegrias tão sinceros que não encontro palavra justa o suficiente para descrever o quão gratificante eles foram. Foi assim a cada bairro e cada criança. Meu coração estava aquecido, mais do que já estivera em toda a vida. Eu finalmente entendi o que a atendente quis dizer quando descreveu a sensação de se voluntariar e receber esses sorrisos como pagamento. Mais um pouco e estaríamos na última casa, é, a da garotinha que rogou pela mãe. Eu estava particularmente nervoso com aquele último presente. Qual seria a reação daquela garotinha tão única e o que pensaria à mãe? Era hora de descobrir, pois o motorista acabara de frear em frente à pequena casinha de pintura descascada. Descemos e batemos à porta. Fomos recebidos por uma mulher de roupas gastas e expressão desconfiada e uma pequena garotinha de olhos curiosos agarrada em sua saia. A garotinha pulou ao me ver e seus olhos pareciam estrelas com a intensidade daquele brilho. Abri um sorriso e soltei um sonoro HO-HO-HO!, ela saiu de trás da mãe e veio até mim. — Então você é a pequena Suzana, certo? Você foi uma garota bem comportada esse ano. Não foi, mamãe? — disse. A mulher assentiu desnorteada e ainda incrédula. — Por isso eu não podia deixar de atender seu pedido. — e ao dizer isso peguei a cesta recheada e me dirigi à mulher a quem entreguei dizendo — Parabéns, você tem uma filha de coração e espírito enormes — ela olhou para a filha com um semblante orgulhoso e abriu um sorriso que logo deu lugar a lágrimas de alegria. Se abraçaram e a pequena menina disse — Viu, mamãe? Eu disse que ele existia! — e eu quis correr até lá e abraça-la, mas não seria propício. A jovem ao meu lado deve ter sentido o mesmo impulso, pois tinha olhos marejados. — Suzana? — eu disse numa voz polida. Ela me olhou com um sorriso. — Por ser uma garota tão boa e pensar nos outros antes de si mesma, eu tenho mais uma coisa para você — e entreguei o embrulho com a boneca e o livro. Ela os largou cuidadosamente ao lado da cesta e caminhou em minha direção de braços abertos. Puxei-a num abraço e ela sussurrou em meu ouvido: — Obrigada, Papai Noel. Eu sabia que você viria — Coloquei-a no chão e ela foi em direção à mamãe Noel dizendo — Você é ainda mais bonita que nos meus sonhos, mamãe Noel. O Papai Noel é um senhor de muita sorte — e também a abraçou. Era hora de ir. Entramos na “Van Trenó” e me despedi com um HO-HO-HO! Feliz Natal!. Por fim, nos deixamos cair num dos bancos, exaustos, porém de corações aquecidos e comentamos animados sobre a carinha das crianças e a singular história da menina de coração grande. Antes que eu pudesse perceber estávamos parados em frente à porta da minha casa. Era hora de me despedir e voltar a minha solitária realidade. — Bom, obrigado por essa experiência única — foi o que consegui dizer. Estava um pouco triste por já ter acabado quando ainda existiam tantas outras crianças sem natal por aí. — Divirtam-se com suas famílias e deliciem-se com a merecida ceia — me preparei para sair, mas parei ao ouvi-la dizer: — Você ficou ótimo de Papai Noel. Obrigada por um dos natais mais divertidos de que consigo me lembrar. — disse sorridente. — Puxa vida! Você foi a Mamãe Noel mais instigante de todas. Eu quem agradeço — e me surpreendi ao dizer — Espero poder esbarrar em você em alguma outra oportunidade — ao que ela retribuiu com um sorriso e, timidamente, disse — Sei que você provavelmente vai se atrasar para sua comemoração, mas eu não pediria se não fosse urgente. Posso usar seu banheiro? — ficou ruborizada e deu uma risada nervosa. — Não se preocupe. Eu vou passar o Natal sozinho, de qualquer forma. — falei num suspiro — Você também? — ela respondeu surpresa. — Pois é
Descemos do carro e percebi que o motorista parecia apressado e exausto. Então disse — Pode ir em frente amigão, eu levo ela para casa. Tenha um feliz natal com sua família. — Ele sorriu, mas hesitou um pouco e olhou para a jovem ao meu lado que assentiu e disse que ele podia ir tranquilo, mas antes correu até ele e agradeceu com um abraço. E rapidamente ele partiu rumo a sua esposa e filhos.
 Caminhamos em direção à porta e me atrevi a perguntar se ela não gostaria de ficar e cear comigo. Ela sorriu e disse que seria ótimo ter companhia no Natal, para variar. Abri a porta e a esperei passar, o que ela estava fazendo quando parou de súbito e olhou para cima intrigada. — Algo errado? — perguntei. — Não, nada errado. — respondeu tão baixo que soou quase como um sussurro. — É só que eu nunca tinha visto um visco na noite de natal — olhei para cima e ao baixar os olhos percebi que ela me encarava ruborizada. E ali,  enquanto nossos rostos se aproximavam e os lábios se uniam eu só conseguia pensar: — Obrigado, Papai Noel. Eu sabia que você viria.

Caleb Henrique

Espero que eu tenha conseguido passar a mensagem que tinha em mente, então, por favor, me deixem saber o que acharam, sim? Aproveitem e me falem curiosidades, façam perguntas ou me contem sobre o livro que estão lendo no momento. É uma delícia responder os comentários de vocês.
Feliz Natal, Viajantes!

Assim me despeço, com a promessa de voltar.
E como há braços, abraços.