7 de out. de 2012

Diário de Bordo #6

postado por Caleb Henrique





Olá, viajantes!
Essa semana tomei a difícil decisão de me afastar temporariamente das redes sociais, mas não se preocupem, eu nunca voltarei a me afastar do blogue. Então, essa semana eu pretendia fazer um post diferenciado, mas como não me restou tanto tempo quanto eu gostaria postarei mais um dos meus textos que ninguém quer ler, mas eu faço questão de postar. Prontos para viajar?


ESTRANGEIRO


― Para onde, moço?
― Para o lugar mais bonito e distante que esse ônibus puder me levar.
Passagem em mãos, mochila nas costas, mente e coração abertos ao desconhecido. Que a vida me surpreenda, pensou antes de subir o primeiro degrau do ônibus amarelo a sua frente. Não pôde deixar de notar o fato de não haver um único rosto conhecido em meio aos passageiros e sorrir; O desconhecido é fascinante. Sentou e com discrição observou os passageiros em seu campo de visão, como de costume deixou  sua imaginação fluir e presentear cada passageiro com uma história diferente. O rapaz de terno e olhos cansados, por exemplo, está voltando para sua casa, na cidade em que cresceu,  após uma exaustiva semana de trabalho. Talvez tenha sua própria família, esposa e filho a lhe esperar.  Raízes fincadas. A frágil senhora de chapéu com laço, possuidora de uma sabedoria brilhante nos olhos  ―  de quem viu e viveu muita coisa  ―  por sua vez,  provavelmente  veio ao médico  para  um check-up rotineiro. E assim prosseguiu, dando um destino e raiz a cada um deles.

O ônibus já estava quase lotado e a poltrona a seu lado continuava vazia.  Pelo visto,  esta  será uma viagem sem interrupções. Tirou o relógio do bolso e constatou, só mais dois minutos até a partida.  Tique-taque, tique-taque, tique-taque. O motorista gira a chave e o ônibus cria vida. ― ESPERA!  Também vou embarcar  ―  Soou  uma  estridente  voz feminina  que com  passadas rápidas nos degraus  embarcou; olhou para o motorista e sussurrou um  agradecimento.  A dona da voz caminhou em direção ao estrangeiro, conferiu o número da poltrona, lhe deu outro sorriso cansado e sentou-se. Trazia uma mochila,  que  logo  apoiou em seu colo e inconscientemente abraçou. O ônibus começa a se locomover.
― Belo chapéu ― disse com um sorriso.
― Obrigado ― O jovem viajante sorriu em resposta.
― Viajando a passeio? ― perguntou educadamente.
― Não especificamente. ― respondeu.
― Ah... Perdão, não quis soar indelicada. Isso não me diz respeito ― disse envergonhada.
― Não há porque desculpar-se,  você  não foi indelicada. Viajo rumo ao desconhecido, sem fincar raízes. Se a vida chama, eu vou ― disse sorrindo.
― Puxa... ― respondeu surpresa ― Então você não tem família, ou amigos?
― Não mais. ― sorriu culpadamente ― Vivo do novo, embora de vez em quando titubeie e permaneça mais tempo do que deveria em algum lugar, criando laços.  Assim  posso dizer que cativei e fui cativado algumas vezes durante a  jornada,  embora  meu coração aventureiro negue-me as raízes ― disse e permitiu que sua mente vagasse alguns instantes.
― Parece solitário ― disse ela, mais para si que para o jovem em sua frente.
― E por vezes é ― replicou ― só que a solidão  também  pode vir a ser uma companheira melhor do que se imagina. Eu mesmo, por exemplo, gosto muito do silêncio que a acompanha  ―  sorriu apaziguado.  Mas costumo conhecer muita gente nova, com hábitos e costumes diferentes, que compartilham e trocam comigo suas histórias, enriquecendo-me de forma incomparável. E eu mesmo tenho minha pequena porção delas.
― Puxa, falando assim parece incrível! ―  sorria encantada. Tinha olhos brilhantes, não pôde deixar de notar, e cabelos negros pouco abaixo do ombro  ― um lado  aparentemente maior que o outro. Tentou imaginar sua história, mas era difícil deduzir. Havia algo misterioso nela.
Não faria perguntas, isso é certo, afinal essa era uma das principais regras que a vida lhe ensinara:  Se não quer criar raízes, não faça perguntas desnecessárias.  Seu rosto ruborizou, percebeu que era observada. O jovem rapidamente desviou o olhar em direção a janela, culpando-se por tamanho descuido.  Passaram-se minutos sem nenhuma palavra trocada. Silêncio esse que só foi quebrado pela voz do cobrador, três fileiras à frente, conferindo as passagens. ― Então, há quanto tempo está na estrada? ― perguntou envergonhada.
― Não muito, alguns pares de meses apenas― ele respondeu. Silêncio.
― Estou fugindo de casa ― disse envergonhada. Suas bochechas estavam fortemente coradas  ― cansei de ouvir sermões e ser repreendida por minha mãe ― Silêncio. ― Não sei bem para onde ir. Tenho algumas amigas numa cidade próxima, inclusive, estava indo para lá, mas seria fácil demais ser descoberta. Será que poderia me juntar a você nessa jornada?
― Não acho que seja uma boa ideia ― o jovem respondeu, surpreso.
― Claro que não, perdoe-me, não sei onde estava com a cabeça, afinal, nós só nos conhecemos há cerca de vinte minutos  ―  O rubor em sua face havia aumentado numa proporção imensa.
― Não é por isso ― ele disse um pouco receoso ― você tem uma mãe que provavelmente se preocupa  muito com você,  que te dá sermões e repreende, na maioria das vezes,  para o seu próprio bem. Eu sei que estou analisando a situação de fora e que na realidade os sermões podem ser bem injustos e revoltantes, em sua grande parte. Mas a preocupação é iminente. Além do mais, se vier comigo terá de se despedir de quase tudo que gosta ou já gostou nessa vida. Pessoas, objetos e até mesmo seus  lugares  prediletos. E embora eu possa te levar a lugares fantásticos e te presentear com infindáveis  aventuras, você precisa admitir que  há muito  de que  se  abrir mão  ―  agora era ele quem estava corado.  ―  Se quiser aceite meu conselho, vá para a casa de suas amigas, ligue para sua mãe e desculpe-se. É provavelmente o mais sensato a ser feito agora. ― Ela o fitou ― parecia haver borboletas em seu estômago ― e teve  certeza de que viveria aventuras fantásticas se decidisse juntar-se a ele, mas também havia o medo. Não seria sensato, afinal. Estava decidida, faria o que o jovem lhe aconselhou e voltaria para a segurança de seu lar.  ―  Tem razão  ―  disse  ―  não devo preocupá-la mais.  Obrigada pelo conselho. E por dividir sua história comigo  ―  sorriu-lhe e, como se por obra do destino, o ônibus parou na rodoviária em que ela precisava descer. Fitou o jovem estrangeiro e com o coração apertado e um sorriso no rosto disse:  ―  Que os bons ventos te levem, moço.  ―  Enquanto pensava,  E que ventos  melhores te tragam de volta para mim.  Desceu do ônibus e sem olhar para trás, partiu.
Da janela o jovem observava a única garota por quem seu coração um dia acelerou partir. O ônibus continuou seu caminho e ele observou-a enquanto pôde.  E que ventos melhores te tragam de volta para mim, pensava.  Seguiu olhando pela janela, observando os campos verdes darem lugar a  canaviais, montanhas, prados  e uma infinidade  de  belas  paisagens.  Que a vida me surpreenda, pensou, até ser embalado por um sono leve e despreocupado.


Caleb Henrique


Assim me despeço, com a promessa de voltar.
E como há braços, abraços.