Olá, Viajantes!
Como vocês estão? Espero que bem!Hoje estou trazendo aqui algo que escrevi para participar de um concurso; não ganhei, então não vejo problema algum em compartilhar com vocês. Então, vamos lá, aguardo a opinião de vocês!
CATIVA-ME
Ao terminar
aquele capítulo, fechei o livro e me permiti digerir o que acabara de ler. “Que quer dizer cativar?” perguntara o principezinho à
raposa¹ e aquela inocência me trouxe uma antiga recordação:
Eu devia ter
menos de dez anos, se a memória não me falha, no dia em que meu pai chegou com
uma criança no bagageiro de bicicleta. “Ele
me pediu comida” explicara à
minha mãe. Depois, foi buscar uma toalha para o garoto que, nesse meio tempo,
fitei e dei um sorriso acolhedor. Lembro que ele parecia assustado, e confesso
que em seu lugar eu também estaria. Meu pai voltou, entregou a toalha e lhe
indicou o banheiro, pedindo-lhe que tomasse um banho. Talvez a memória de fato
me falhe um pouco agora, pois meus olhos estão marejados pelo assalto
avassalador dessa memória a muito esquecida, mas tenho quase certeza de que
enquanto o garoto se banhava meu pai pediu a mim e a meu irmão — apenas dois
anos mais novo — uma blusa e uma bermuda limpas para o garoto. O garoto almoçou
conosco naquele dia. Pouco depois eu tomei meu próprio banho e fui ao colégio.
Quando voltei, ele já tinha partido outra vez. Quis abraçar o meu pai e
dizer-lhe que fiquei orgulhoso de seu gesto, mas para ser honesto não recordo
de tê-lo feito.
Me pergunto
coisas como “Que fim se deu,
afinal, a inocência?” ou “Quando foi que nos tornamos tão
inumanos?” e apesar de
continuar acreditando que as pessoas podem ser boas e que o mundo pode
melhorar, enxergo o fato de que eu recentemente deixei de fazer coisas das
quais não hesitaria nos meus tempos de garoto. Lembro-me da senhora que
precisou me pedir ajuda para atravessar a rua (o que eu queria fazer antes do
pedido, mas não o fiz por vergonha) e do senhor que caminhava alguns metros à
minha frente carregando duas pesadas sacolas, chegando a parar por duas vezes e
coloca-las no chão para então pegá-las outra vez (e de quão mal eu ainda me
sinto por ter achado que ele podia duvidar de minha boa intenção) e de tantas
outras vezes nas quais podia ter sido mais solidário.
Até
recentemente eu preferia culpar o Capitão Gancho² pelo fato de ter me tornado
um jovem-adulto, mas não tem muito tempo e eu percebi que, na realidade, eu não
deixei de ser ‘criança’, afinal, ser ou não ‘criança’ nada tem a ver com nossa
idade. Nessa vida conheci crianças-idosas e idosos-crianças e percebi, então,
que estou num meio termo e me permiti realizar um dos meus antigos sonhos:
fazer parte de uma trupe do riso. Faz aproximadamente 20 dias desde nossa
primeira visita a um hospital próximo, que trata de crianças com câncer, e ver
aquelas crianças, brincar com elas, cantar, dançar, sorrir e ler para elas me
fez tão bem que eu espero nunca precisar parar de fazer isto. Aquelas crianças
tinham todos os motivos para estarem tristes, mas elas sorriram e nos confiaram
seus nomes ao mesmo tempo em que nos permitiram ser parte de um dia de suas vidas.
Queria que elas pudessem saber que, na verdade, foram elas que me presentearam
e me fizeram abrir os olhos para o fato de que, sim, a vida pode nos bater uma,
duas, três ou dez vezes, mas que em todas elas podemos levantar, sorrir e
seguir em frente. Afinal, nessa festa louca que é a vida, a música só acaba de
verdade quando paramos de dançar.
¹ Referência
ao livro O pequeno príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry
² Personagem
do livro Peter Pan, de J. M. Barrie
Caleb Henrique
Assim me despeço, com a promessa de voltar.
E como há braços, abraços.