Olá, Viajantes!
Escrito novo para vocês inspirado numa música regional de valor e sinceridade inestimável.
ESTRANGEIRO (02)
Numa de minhas muitas
andanças pelo nordeste brasileiro, lembro que em certo momento deparei-me com
um homem de meia-idade. Estava acompanhado por sua provável esposa e três ou
quatro crianças, que julguei serem seus filhos. Tinham expressões cansadas e
uma tristeza aparente, exceto o menor dos pequenos que, inconsciente à
situação, brincava e distribuía sorrisos a todos os transeuntes naquela pequena
rodoviária. Na correria do dia-a-dia alguns sequer notavam o sorriso da pequena
criança, outros olhavam suas vestes gastas e também um pouco encardidas e então
franziam o nariz com ares de desdém. Aproximei-me e fiz um afago na cabeça do
pequeno garoto, que me retribuiu com mais um sorriso, ao qual retribui. Em
seguida fitei sua mãe, que me olhava com ares de desconfiança e educadamente
comentei “Que rapazinho mais
simpático, não? Foi a primeira pessoa que me sorriu hoje! Como ele se chama?” e a expressão da mulher
suavizou-se um pouco até que, parecendo orgulhosa de seu pequeno, respondeu “O
nome dele é João, moço. Igual que o do meu pai.” lhe sorri antes de dizer “Esta
é uma bela homenagem.” e em
seguida me dirigi até o espaço vago do banco de madeira, à direita do cansado
homem.
A família ao meu lado
continuava calada, mas algo naquelas malas e mochilas gastas e os seus tristes
semblantes tirava-me a paz. Passados alguns minutos perguntei discretamente “Estão de mudança?” e, talvez pela primeira vez, aquele
homem olhou em meus olhos, fazendo-me momentaneamente desejar não ter feito
aquela pergunta. Seus olhos carregavam uma tristeza tão imensa que senti meu
coração partir-se antes mesmo de ele abrir a boca para me responder: “Infelizmente, moço. A água é
pouca, o riacho secou e o roçado já não é mais o mesmo. Essa estiagem nos tirou
tudo o que tínhamos.” Disse
com o olhar distante, como se o fato de admitir isso lhe roubasse, inclusive,
sua própria identidade. “Meu gado morreu de sede, moço. E eu não pude fazer
nada, porque era ele ou meus filhos.” e,
pela primeira vez na vida, me senti mal pela falta de importância que dei
àquela situação em todas as raras vezes que a tevê a noticiou. Senti-me culpado
por todos os banhos demorados e toda a água que, sem sequer perceber,
desperdiço. “Se eu pudesse
escolher eu ficaria aqui e morria na minha casinha” e seus olhos não negavam sua vontade
de fazê-lo “mas eu não ia
aguentar ver meus filhos morrendo igual meu alazão não, moço.” sua esposa disfarçadamente enxugou
algumas lágrimas “Vamos
todos para a casa da mãe da Néia, então. Esperar até a chuva vir e as
plantações voltarem a crescer. Mas é por pouco tempo.” e a última afirmação me pareceu
uma súplica. Uma daquelas coisas em que costumamos acreditar esperando que se
torne verdade.
O ônibus deles chegou e a
família levantou-se. Pouco antes de ir embora o homem me olhou e disse “Eu vou voltar logo, moço.” ao que respondi, com o melhor sorriso
que consegui dar “Vai sim, meu amigo. Vai sim. Façam uma boa viagem.” e
todos eles, exceto o pequeno João que agora dormia a sono alto nos braços da
mãe, acenaram-me um adeus mudo antes de embarcarem e o ônibus partir.
Lutei, por algum tempo e o
quanto pude, contra as lágrimas que insistiam em me assaltar, mas acabei
perdendo a luta contra algumas poucas que insistiram em escorrer no exato
momento em que o meu ônibus chegou. Enxuguei-as e embarquei no transporte que
me levaria até meu próximo destino.
A canção que tantas vezes
ouvi — e que até então nada significava — ecoava agora em minha mente. “Eu te asseguro, não chores não,
‘viu? Que eu voltarei, meu coração.”
Caleb Henrique
E como há braços, abraços.