Escrevi mais uma vez em parceria com a Larissa, espero que gostem!
RETALHOS
Certas
verdades extravasam pelas bordas e borbulham até a superfície. Quisera eu
voltar a ser feita de silêncios, mas faltam barulhos aqui. Falta teu riso
solto, tua alegria escancarada, as canções dos teus discos e o sempre alto ruído da tv.
Acostumei-me
tanto a tua bagunça que agora viver no silêncio incomoda. Nunca imaginei que
sentiria falta de sua mania de desarrumar tudo, de sua implicância com meus
sermões e de sua teima em tirar cada coisa de seu lugar. Não tive muita paciência, confesso.
Esse foi meu pesar. Não sei viver assim, de conta-gotas. Queria-me quieta,
serena e silenciosa. Meu pior defeito tenha sido talvez o de levar tudo ao pé
da letra. Sempre. Era chata sim. Tudo ao contrário do que era você.
Sua
realidade é bem simples e isenta de mistérios. Já tem algum tempo e sequer
comecei a me adaptar ao silêncio que é agora a minha. Se
fosse antes, garoto... Antes eu precisaria dela e a receberia de braços abertos.
Pensava que
todas as coisas boas não seriam suficientes para me fazer permanecer e agora
sinto falta de tudo. Ruim é esse orgulho besta que não me permite voltar atrás.
Vou esperar, então. Isso agora é só uma cena depois dos créditos finais. Um
pequeno sorriso após o epitáfio.
***
É bem
verdade que meus dias tornaram-se gris e gélidos depois que você partiu dizendo
que não voltaria mais e pedindo respeito por sua decisão. E eu respeito, mas
isso não me impede de sentir falta. E eu a sinto em cada canto deste
apartamento agora sem vida.
Quero-te de
volta, com sua mania de arrumação e seus — raramente irritados — sermões que
misturados ao tocar de algum dos meus velhos discos ou ao ensurdecedor volume
da tv traziam a sonoridade que eu sequer sabia precisar aos meus dias. E
confesso: é atormentador esse querer.
Mas você não
vai voltar e eu sou orgulhoso demais para correr atrás, então aceito e sigo
nesta rotina que alguém estipulou como padrão. Trabalho, barzinho e então minha
sempre bagunçada cama, agora vazia. E é nela que você me assalta, rouba-me de
mim e faz com que eu perceba que uma vez mais me encontro vazio, porque você me
levou junto quando se foi e agora só há você em mim, mas balanço a cabeça
espantando os pensamentos e murmuro um xingamento à minha imensa estupidez.
Sinto vontade
de te ligar, não nego. Penso em pegar o telefone e fazer um pedido de
desculpas, dizer que estou mudando e tentando ser mais organizado, mas você não
acreditaria; da mesma forma que eu próprio não consigo. Eu não sei mudar dessa
forma, a pedidos. Não é e nunca virá a ser assim que as coisas funcionam.
Dias desses
contratei uma diarista e antes de sair para o trabalho lhe pedi que me
arrumasse o apartamento de uma forma diferente, como se dessa forma pudesse
também afugentar seu fantasma, que parece habitar cada espaço. Tolice minha,
admito. Mas assim são os homens, sempre propícios a fazer coisas estúpidas na
esperança de fugir dos fantasmas de seus passados.
E ainda
agora, enquanto observo a chuva caindo próximo à janela, sei que ainda que
demore chegará o dia em que você não será meu primeiro pensamento do dia e que
eu não mais esperarei que a porta se abra abruptamente revelando-me você, de
malas cheias e coração aberto, dizendo que voltou, para ficar. Essa certeza me
apazigua e apavora ao mesmo tempo e eu gostaria de perguntar a alguém o que
virá depois, mas sei que seria inútil. São coisas que ninguém sabe.
Caleb Henrique e Larissa Rebecca
Assim me despeço, com a promessa de voltar.
E como há braços, abraços.