9 de jul. de 2013

Diário de Bordo #19

postado por Caleb Henrique




Olá, Viajantes!
Como vocês estão? Espero que bem!
Hoje estou trazendo aqui algo que escrevi para participar de um concurso; não ganhei, então não vejo problema algum em compartilhar com vocês. Então, vamos lá, aguardo a opinião de vocês!

CATIVA-ME

Ao terminar aquele capítulo, fechei o livro e me permiti digerir o que acabara de ler. “Que quer dizer cativar?” perguntara o principezinho à raposa¹ e aquela inocência me trouxe uma antiga recordação:

Eu devia ter menos de dez anos, se a memória não me falha, no dia em que meu pai chegou com uma criança no bagageiro de bicicleta. “Ele me pediu comida” explicara à minha mãe. Depois, foi buscar uma toalha para o garoto que, nesse meio tempo, fitei e dei um sorriso acolhedor. Lembro que ele parecia assustado, e confesso que em seu lugar eu também estaria. Meu pai voltou, entregou a toalha e lhe indicou o banheiro, pedindo-lhe que tomasse um banho. Talvez a memória de fato me falhe um pouco agora, pois meus olhos estão marejados pelo assalto avassalador dessa memória a muito esquecida, mas tenho quase certeza de que enquanto o garoto se banhava meu pai pediu a mim e a meu irmão — apenas dois anos mais novo — uma blusa e uma bermuda limpas para o garoto. O garoto almoçou conosco naquele dia. Pouco depois eu tomei meu próprio banho e fui ao colégio. Quando voltei, ele já tinha partido outra vez. Quis abraçar o meu pai e dizer-lhe que fiquei orgulhoso de seu gesto, mas para ser honesto não recordo de tê-lo feito.

Me pergunto coisas como “Que fim se deu, afinal, a inocência?” ou “Quando foi que nos tornamos tão inumanos?” e apesar de continuar acreditando que as pessoas podem ser boas e que o mundo pode melhorar, enxergo o fato de que eu recentemente deixei de fazer coisas das quais não hesitaria nos meus tempos de garoto. Lembro-me da senhora que precisou me pedir ajuda para atravessar a rua (o que eu queria fazer antes do pedido, mas não o fiz por vergonha) e do senhor que caminhava alguns metros à minha frente carregando duas pesadas sacolas, chegando a parar por duas vezes e coloca-las no chão para então pegá-las outra vez (e de quão mal eu ainda me sinto por ter achado que ele podia duvidar de minha boa intenção) e de tantas outras vezes nas quais podia ter sido mais solidário.

Até recentemente eu preferia culpar o Capitão Gancho² pelo fato de ter me tornado um jovem-adulto, mas não tem muito tempo e eu percebi que, na realidade, eu não deixei de ser ‘criança’, afinal, ser ou não ‘criança’ nada tem a ver com nossa idade. Nessa vida conheci crianças-idosas e idosos-crianças e percebi, então, que estou num meio termo e me permiti realizar um dos meus antigos sonhos: fazer parte de uma trupe do riso. Faz aproximadamente 20 dias desde nossa primeira visita a um hospital próximo, que trata de crianças com câncer, e ver aquelas crianças, brincar com elas, cantar, dançar, sorrir e ler para elas me fez tão bem que eu espero nunca precisar parar de fazer isto. Aquelas crianças tinham todos os motivos para estarem tristes, mas elas sorriram e nos confiaram seus nomes ao mesmo tempo em que nos permitiram ser parte de um dia de suas vidas. Queria que elas pudessem saber que, na verdade, foram elas que me presentearam e me fizeram abrir os olhos para o fato de que, sim, a vida pode nos bater uma, duas, três ou dez vezes, mas que em todas elas podemos levantar, sorrir e seguir em frente. Afinal, nessa festa louca que é a vida, a música só acaba de verdade quando paramos de dançar.

¹ Referência ao livro O pequeno príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry
² Personagem do livro Peter Pan, de J. M. Barrie 

Caleb Henrique


Assim me despeço, com a promessa de voltar.
E como há braços, abraços.